Ontem encarei o espelho, me acomodei na poltrona de braços largos e fiquei ali namorando os meus detalhes. O tamanho dos meus olhos, o formato da minha boca, a minha cintura não tão fina e até as pontas duplas do meu cabelo. Fiquei ali por horas, me amando. Repetindo sem cessar: Moça, como você é linda. Por favor, não confunda o meu amor próprio com o egocentrismo. Não, antes de conhecer a minha história. Eu passei a minha vida inteira vestida de patinho feio, fugindo do espelho e o tratando como o meu pior inimigo. Eu o odiava por me mostrar tudo o que eu não queria ver. A celulite espalhada por toda a minha bunda e a longa distância entre a minha nuca e o meu glúteo. As estrias nos seios. A barriga nada chapada. O cabelo ressecado. As espinhas no queixo. As três linhas desenhadas na minha testa. O braço de maria-mole. Toda vez que ele escancarava minuciosamente tudo o que eu lutava para esquecer, discutíamos por horas. Eu chorava, desabafava e o culpava por tudo. Pelos relacionamentos fracassados, pelos foras que recebi e até pelos olhares que nunca consegui atrair. Eu não aceitava minhas imperfeições. Elas gritavam o tempo inteiro aqui dentro, me cegavam e não me deixavam reparar no belo par de pernas que tenho. Nem no pequeno nariz que mora no centro do meu rosto ou na mulher inteligente, determinada e engraçada que sou – capaz de seduzir qualquer pessoa. A cada término, despedida e batida de porta eu me detestava mais. Sentia-me rejeitada, feia e incapaz de despertar qualquer interesse num homem. Já pedinchei muito amor, supliquei cafuné, me humilhei por elogios simplórios e me odiei por não ser ‘bonita’ – loira, magra e dentes branquíssimos igual as bailarinas do Faustão . Deixei inúmeras vezes o meu amor-próprio de lado para manter alguém do meu lado, e todas às vezes saí com o ego ainda mais ferido e com o coração na mão. Foi numa dessas decepções, com o rímel preto escorrendo pelas bochechas e o peito sangrando que decidi mudar. Aos poucos fui mudando. De dentro para fora. Vesti a minha alma de amor, expulsei o rancor do meu peito e propus paz ao espelho. Hoje eu não me maltrato mais. Eu aprendi a amar os meus defeitos, o meu cabelo bagunçado, o sorriso torto, as olheiras profundas, a meia e o chinelo. Os dois quilos a mais, as falhas na sobrancelha e a coluna levemente curvada. Parei de me cobrar tanto e comecei a cobrar mais dos outros. Quem gosta de verdade, fica com você de vestido e pijama. Com defeitos e qualidades. Com ou sem maquiagem. Hoje o meu peito sorri, quando vê a mulher linda que reflete no espelho, porque a alma reflete aquilo que o coração guarda. E o meu coração guarda amor. Amor próprio.
Escrito por Kauane Mello e Kimbelly Gomes – Via Suspiros & Desatinos
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