quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Dos ficantes aos namoridos

Se você é deste século, já sabe que há duas tribos que definem o que é um relacionamento moderno.

Uma é a tribo dos ficantes. O ficante é o cara que te namora por duas horas numa festa, se não tiver se inscrito no campeonato “Quem pega mais numa única noite”, quando então ele será seu ficante por bem menos tempo — dois minutos — e irá à procura de outra para bater o pr...óprio recorde. É natural que garotos e garotas queiram conhecer pessoas, ter uma história, um romance, uma ficada, duas ficadas, três ficadas, quatro ficadas... Esquece, não acho natural coisa nenhuma. Considero um desperdício de energia.

Pegar sete caras. Pegar nove “mina”. A gente está falando de quê, de catadores de lixo? Pegar, pega-se uma caneta, um táxi, uma gripe. Não pessoas. Pegue-e-leve, pegue-e-largue, pegueeuse, pegue-e-chute, pegue-e-conte-para-os-amigos.

Pegar, cá pra nós, é um verbo meio cafajeste. Em vez de pegar, poderíamos adotar algum outro verbo menos frio. Porque, quando duas bocas se unem, nada é assim tão frio, na maioria das vezes esse “não estou nem aí” é jogo de cena. Vão todos para a balada fingindo que deixaram o coração em casa, mas deixaram nada. Deixaram a personalidade em casa, isso sim.

No entanto, quem pode contra o avanço (???) dos costumes e contra a vulgarização do vocabulário? Falando nisso, a segunda tribo a que me referia é a dos namoridos, a palavra mais medonha que já inventaram. Trata-se de um homem híbrido, transgênico.

Em tese, ele vale mais do que um namorado e menos que um marido. Assim que a relação começa, juntam-se os trapos e parte-se para um casamento informal, sem papel passado, sem compromisso de estabilidade, sem planos de uma velhice compartilhada — namoridos não foram escolhidos para serem parceiros de artrite, reumatismo e pressão alta, era só o que faltava.

Pois então. A idéia é boa e prática. Só que o índice de príncipes e princesas virando sapo é alta, não se evita o tédio conjugal (comum a qualquer tipo de acasalamento sob o mesmo teto) e pula-se uma etapa quentíssima, a melhor que há.

Trata-se do namoro, alguns já ouviram falar. É quando cada um mora na sua casa e tem rotinas distintas e poucos horários para se encontrar, e esse pouco ganha a importância de uma celebração.

Namoro é quando não se tem certeza absoluta de nada, a cada dia um segredo é revelado, brotam informações novas de onde menos se espera. De manhã, um silêncio inquietante. À tarde, um mal-entendido. À noite, um torpedo reconciliador e uma declaração de amor.

Namoro é teste, é amostra, é ensaio, e por isso a dedicação é intensa, a sedução é ininterrupta, os minutos são contados, os meses são comemorados, a vontade de surpreender não cessa — e é a única relação que dá o devido espaço para a saudade, que é fermento e afrodisíaco. Depois de passar os dias se vendo só de vez em quando, viajar para um fim de semana juntos vira o céu na Terra: nunca uma sexta-feira nasce tão aguardada, nunca uma segunda-feira é enfrentada com tanta leveza.

Namoro é como o disco “Sgt. Peppers”, dos Beatles: parece antigo e, no entanto, não há nada mais novo e revolucionário. O poeta Carlos Drummond de Andrade também é de outro tempo e é para sempre. É ele quem encerra esta crônica, dando-nos uma ordem para a vida: “Cumpra sua obrigação de namorar, sob pena de viver apenas na aparência. De ser o seu cadáver itinerante".
Martha Medeiros

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Poema para um amor em vão




O sofrimento de amor nada mais é que orgulho ferido, conclui o ressentido que viu-se de repente sozinho numa noite em que deveria passar acordado - amando - e não passar acordado refletindo.

O ressentido mistura ódio, raiva e ciúme até formar uma só massa, por cima dela joga açúcar e leva ao forno, toda dor tem sua doçura. De repente numa noite em que deveria passá-la...
acordado - amando - ele passa criando receitas de como transformar tanto sentimento azedo em algo que alimente.

E ter o amor negado, nem se fala, é fratura exposta, definhamos em público, encolhemos a alma, quase desejamos uma violência qualquer vinda da rua para esquecermos dessa violência vinda do tempo gasto e vivido, esse assalto em que nos roubaram tudo, o amor e o que vem com ele, confiança e estabilidade. Sem o amor, nada resta, a crença se desfaz, o romantismo perde o sentido, músicas idiotas nos fazem chorar dentro do carro.

O ressentimento advém de um amor que não foi correspondido, ele que tinha tanta certeza da virtude do que sentia, ele que havia dedicado milhares de suas horas vividas a um desejo de aperfeiçoar o que já lhe parecia perfeito, ele que não teve oportunidade de colocar açúcar no que não lhe foi oferecido, coloca agora, porque mesmo contrafeito ainda acredita que há algo que se possa fazer para adoçar uma fantasia que não foi concluída

Nada mais que orgulho ferido - ou não será nada disso? Havia o plano de passar a noite juntos, acordados e se amando, tudo foi cronometrado, a hora da chegada, nenhum momento de partida, cada segundo dedicado a transformar idealismo em algo mais palpável, e de uma hora para outra vê-se o ressentido passando a noite acordado refletindo, pois ela mudou de idéia e amargou-lhe um não, ela não virá, nem hoje nem nunca.

Ele joga açúcar em tudo o que sente e vem sentindo, foram anos de preparação para este encontro até então indubitável, ela existia, ele a desejava e passariam a noite acordados e amando-se, mas ele restou ressentido com um não que veio injustificado e assim ele passa a noite refletindo e o dia que virá o encontrará finalmente acordado.
Martha Medeiros