quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Da minha precoce nostalgia


Quando eu for bem velhinha, espero receber a graça de, num dia de
domingo, me sentar na poltrona da biblioteca e, bebendo um cálice de
vinho do Porto, dizer a minha neta:
- Querida, venha cá. Feche a porta com cuidado sente-se aqui do meu
lado. Tenho umas coisas para te contar.
E assim, dizer apontando o indicador para o alto:
- O nome disso não é conselho, isso se chama corroboração! Eu vivi,
ensinei, aprendi, caí, levantei e cheguei a algumas conclusões. E
agora, do alto dos meus 82 anos, com os ossos frágeis, a pele mole e
os cabelos brancos, minha alma é o que me resta, saudável e forte.
Por isso, vou colocar mais ou menos assim:
- É preciso coragem para ser feliz.
Seja valente.
Siga sempre o seu coração.
Para onde ele for, seu sangue, suas veias e seus olhos também irão.
E satisfaça seus desejos. Esse é seu direito e obrigação.
Entenda que o tempo é um paciente professor que irá te fazer crescer,
mas a escolha entre ser uma grande menina ou uma menina grande, vai depender só de você.
Tenha poucos e bons amigos.
Tenha filhos.
Tenha um jardim.
Aproveite sua casa, mas vá a Fernando de Noronha, Barcelona e à Austrália.
Cuide bem dos seus dentes.
Experimente, mude, corte os cabelos.
Ame para valer, mesmo que ele seja o carteiro.
Não corra o risco de envelhecer dizendo "ah, se eu tivesse feito...".
Tenha uma vida rica de vida.
Vai que o carteiro ganha na loteria! - tudo é possível, e o futuro,
Ah!, é imprevisível.
Viva romances de cinema, contos de fada e casos de novela.
Faça sexo, mas não sinta vergonha de preferir fazer amor.
E tome sempre conta da sua reputação, ela é um bem inestimável.
Porque sim, as pessoas comentam, reparam, e se você der chance, elas
inventam também detalhes desnecessários.
Se for se casar, faça por amor. Não faça por segurança, carinho ou status.
A sabedoria convencional recomenda que você se case com alguém
parecido com você, mas isso pode ser um saco!
Prefira a recomendação da natureza, que com a justificativa de
aperfeiçoar os genes da reprodução, sugere que procure alguém diferente de você.
Mas para ter sucesso nessa questão, acredite no olfato e
desconfie da visão.
É o seu nariz quem diz a verdade quando o assunto
é paixão.
Faça do fogão, do pente, da caneta, do papel e do armário, seus
instrumentos de criação.
Leia, pinte, desenhe, escreva.
E, por favor, dance, dance, dance até o fim, senão por você, o faça por mim.
Compreenda seus pais. Eles te amam para além da sua imaginação, sempre fizeram o melhor que puderam, e sempre o farão.
Cultive os bons amigos. Eles são a natureza ao nosso favor e uma das
formas mais rara de amor.
Não cultive as mágoas - porque se tem uma coisa que eu aprendi nessa
vida é que um único pontinho preto num oceano branco deixa tudo cinza.
Era isso minha querida. Agora é a sua vez.
Por favor, encha mais uma vez minha taça e me conte:
-Como vai você?

Maria Sanz Martins

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